29 DEZ 2018 - No domingo dentro da oitava do Natal (26 a 31 de dezembro) ou, não havendo, no dia 30 de dezembro, a Igreja celebra a festa da Sagrada Família de Jesus, Maria e José.

 

Como prolongamento da alegria natalina, a Liturgia desta festa nos recorda que o Filho de Deus nasce, é cuidado, cresce e se desenvolve no aconchego de uma família humana. Os Evangelhos propostos mostram os grandes momentos vividos como e pela Família de Nazaré: no ano “A”, a fuga para o Egito (cf. Mt 2,13-15.19-23), onde Mateus, desde logo, apresenta Jesus, tipologicamente, como o novo Moisés, que passa pelo Egito e entra em Israel, como concretização das profecias; no ano “B”, temos a apresentação de Jesus no templo (cf. Lc 2,22-40), quando então Maria e José sobem com Jesus à Jerusalém para, cumprindo a Lei, consagrarem seu primogênito ao Senhor; por fim, no ano “C”, o Evangelho narra mais uma vez a Sagrada Família no templo de Jerusalém, mas agora pela ocasião da Páscoa, quando Jesus já havia completado 12 anos (cf. Lc 2,41-52). Neste relato, é narrada a preocupação de Maria e José por não terem encontrado Jesus na caravana de volta para a casa, sendo que, quando o encontram, Maria o questiona: “Meu filho, por que agiste assim conosco? Olha que teu pai e eu estávamos angustiados à tua procura” (v. 48b). No fim deste Evangelho, é discretamente apresentada uma crucial característica filial de Jesus para com seus pais: “era-lhes obediente” (v.51b).

O tema da obediência aos pais, bem como a honra e o respeito a eles devidos, figuram na primeira leitura (Eclo 3,3-7.14-17a), que é invariável nos três anos (A, B e C). Nesta perícope de Eclesiástico, fala-se ainda em amparar os pais na velhice (cf. v.14a), outra característica do honrado Filho Jesus, que do alto da cruz não abandona a sua mãe, mas a deixa aos cuidados do “discípulo amado” (cf. Jo 19,27) e a ampara com a força do seu Espírito, em Pentecostes, estando Maria presente no cenáculo (cf. At 1,12-14; 2,1-13).

A segunda leitura (Cl 3,12-21), também invariável nos três anos, apresenta as necessárias características da família dos cristãos, membros do único corpo de Cristo (cf. v. 15b), que unidos pelo “vínculo perfeito do amor” (v.14b), devem viver com “misericórdia, bondade, humildade, mansidão e paciência” (v.12b), dando suporte e perdoando uns aos outros (cf. v.13). Solicitude e amor recíproco entre esposos e obediência dos filhos para com os pais aparecem no fim, como exortação de Paulo aos núcleos familiares das comunidades cristãs.

Um aspecto importante e recorrente nos textos eucológicos desta festa é o da imitação da Sagrada Família, como bem reza a “Oração do Dia” e a “Oração depois da Comunhão”, respectivamente:

“Ó Deus de bondade, que nos destes a Sagrada Família como exemplo, concedei-nos imitar em nossos lares as suas virtudes para que, unidos pelos laços do amor, possamos chegar um dia às alegrias da vossa casa. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.”

“Concedei-nos, ó Pai, na vossa bondade, que refeitos com o vosso sacramento, imitemos continuamente a Sagrada Família, e, após as dificuldades desta vida, convivamos com ela no céu. Por Cristo, nosso Senhor.”

Na Família de Nazaré, se encontram as virtudes e os valores exemplares a serem imitados por toda e qualquer família cristã, dentre os quais e, talvez, eminentemente: a confiança da mãe Maria, a coragem do pai José e a obediência plena do Filho Jesus. A esse respeito, após o Sínodo das Famílias ocorrido em 2015, o Papa Francisco nos ensinou em sua exortação apostólica pós-sinodal Amoris Laetitia, nº 66:

“A aliança de amor e fidelidade, vivida pela Sagrada Família de Nazaré, ilumina o princípio que dá forma a cada família e a torna capaz de enfrentar melhor as vicissitudes da vida e da história. Sobre este fundamento, cada família, mesmo na sua fragilidade, pode tornar-se uma luz na escuridão do mundo.”

No formulário litúrgico desta celebração não consta um prefácio próprio, havendo tão somente uma indicação para a utilização de um dos três prefácios do Natal. A festa da Sagrada Família, dentro do ciclo natalino, está como prolongamento da culminância que é a Solenidade do Natal do Senhor, sendo por ela iluminada e, por isso, retoma sua tônica orante. Desta forma, o Mistério da Encarnação continua a ser celebrado, mas com um recorte específico: o Filho de Deus se encarnou no mundo (Natal), mas não veio plasmado do céu, pois nasceu em uma família (Sagrada Família), como afirma Paulo aos galácios, “nascido de mulher” (Gl 4,4c), como que para salvar a humanidade partindo de dentro. Jesus nasce no seio de uma família humana para fazer da humanidade a família de Deus: humanizando-se, diviniza-nos; rebaixando-se, eleva-nos; esvaziando-se, preenche-nos. A partir deste “intercâmbio” entre o céu e a terra, parece ser mais adequado à esta celebração o “Prefácio do Natal III”, que reza este aspecto:

“(…) Por Ele, realiza-se hoje o maravilhoso encontro que nos dá vida nova em plenitude. No momento em que vosso Filho assume nossa fraqueza, a natureza humana recebe uma incomparável dignidade: ao tornar-se Ele um de nós, nós nos tornamos eternos.”

Nos Evangelhos, Jesus faz uma interessante pergunta que diz respeito à compreensão de sua família, amplamente considerada: “Quem é minha mãe e quem são meus irmãos?” (Mt 12,48b; Mc 3,33). A resposta, os sinóticos nos apresentam igualmente: “Quem escuta e pratica a palavra do meu Pai” (Mt 12,50; Mc 3,35; Lc 8,21). Assim, façamo-nos parte da família de Jesus, deixando que o Cristo, Palavra de Deus, se faça carne em nossa carne, se familiarize às nossas famílias, ao exemplo da Sagrada Família de Nazaré, aquela que ouviu, viu, contemplou e cuidou do “Verbo da vida” (cf. 1Jo 1,1).


Daniel Reis é leigo, graduando em Teologia e em Direito, pela PUC Minas. Aluno do curso de Especialização em Liturgia, pelo Centro de Liturgia Dom Clemente Isnard e Universidade Salesiana de São Paulo (UNISAL). Membro da coordenação e assessor da Comissão de Liturgia da Região Episcopal Nossa Senhora da Esperança, da Arquidiocese de Belo Horizonte. Membro do Secretariado Arquidiocesano de Liturgia (SAL). Membro do Regional Leste II para a Liturgia, da CNBB. Membro da Diretoria da Associação dos Liturgistas do Brasil (ASLI).

Fonte: centrodeliturgia.com.br