19 MAR 2021 - São José dos Pinhais/PR - Por ocasião da Solenidade de São José, Patrono da Igreja e Padroeiro da nossa Diocese, Dom Celso Antônio Marchiori envia uma mensagem para todos os diocesanos. Confira a mensagem:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

“Esperando contra toda esperança, ele acreditou” (Rm 4,18)

Mensagem para a Solenidade de São José

19 de março de 2021

Dom Celso Antônio Marchiori

Bispo Diocesano de São José dos Pinhais

            Estimados irmãos e irmãs em Cristo

            Neste ano de 2021, a Solenidade Litúrgica de São José, Esposo de Maria, realiza-se em um contexto específico, ao mesmo tempo motivador e desafiador. Motivador porque estamos no “Ano de São José”, convocado pelo Papa Francisco pela comemoração dos 150 anos da declaração de São José como Padroeiro da Igreja Católica, esta realizada no ano de 1870 pelo Papa Pio IX. Desafiador porque a situação imposta pela pandemia de COVID-19 nos tem causado perplexidade e dor, seja pelas vidas ceifadas, pelas famílias enlutadas e que sofrem ou pela apreensão que não nos possibilita vislumbrar soluções rápidas e definitivas para o que estamos vivenciando. No entanto, a figura de São José nos insere numa perspectiva pessoal e eclesial de esperança, que não é uma espera passiva por dias melhores, mas uma atitude concreta, tal como fez José, que acreditou em Deus “esperando contra toda esperança” (Rm 4,18). De São José nós aprendemos a esperar como testemunho diante de um mundo desesperado, que parece ver sua esperança se esvaindo diante do sofrimento e das condições atuais.

            Permitam-me tomar por base para esta mensagem a Carta Apostólica Patris Corde, do Papa Francisco, publicada por ocasião do 150º aniversário da declaração de São José como padroeiro da Igreja.

            José era um homem do movimento. Era trabalhador (cf. Mt 13,55) e “justo” (Mt 1,19). Interpelado por Deus em virtude da concepção de seu Filho no seio de Maria, reconheceu em seus quatro sonhos o chamado do Senhor para assumir Maria por esposa e tutelar a educação de Jesus (cf. Mt 1,20; 2,13.19.22). Com Maria, viajou de Nazaré a Belém e ali teve de encontrar um ambiente para Jesus nascer, “por não haver lugar para eles” (Lc 2,7) nas hospedarias. Rumou ao Egito para fugir da perseguição de Herodes ao Menino (cf. Mt 2,13-19) e ainda retornaram a Nazaré para ali estabelecerem o lar da Sagrada Família (cf. Mt 2,20-23). José não aceitou viver de condições, mas de decisões: não se vê na Escritura que José tenha renegado a vontade de Deus ou mesmo apresentado “desculpas” para não colaborar com o seu projeto de salvação; ele saiu, movimentou-se, desprendeu-se. E eu e você? Estamos vivendo de condições ou de decisões? Quais “desculpas” estamos alegando para não realizarmos a vontade de Deus a nosso respeito, para nosso bem e para o bem de todo o mundo? Valho-me das perguntas adaptadas de Hilel, o Ancião: “se não eu, quem? Se não agora, quando?” Responder a estas perguntas nos coloca em atitude de esperança e não de simples espera.

            José era um homem da simplicidade. Na Bíblia, algumas discrições são sinais de grande responsabilidade, tal como a de Maria, que não é mencionada em abundância nos Evangelhos, mas guardava todos os acontecimentos, “meditando-os em seu coração” (Lc 2,19). A esperança é simples, porque não é resultado de complexas reflexões ou mesmo de raciocínios técnicos: a esperança cristã está na certeza de que “a cada dia basta o seu cuidado” (Mt 6,34), ou seja, nas pequenas ações cotidianas Deus nos faz colaboradores de um mundo novo, para o nosso bem e para o bem de nossos irmãos e irmãs. De José aprendemos que a esperança está em fazer o bem hoje e não amanhã. A sucessão de “hojes” bem vividos resultará em muitos “amanhãs” segundo o Evangelho, segundo o Reino de Deus. O Papa Francisco confere ênfase a esse aspecto ao afirmar que “no meio da crise que nos afeta, as nossas vidas são tecidas e sustentadas por pessoas comuns (habitualmente esquecidas), que não aparecem nas manchetes dos jornais e revistas [...] mas que hoje estão, sem dúvida, a escrever os acontecimentos decisivos da nossa história: médicos, enfermeiras e enfermeiros, trabalhadores dos supermercados, pessoal da limpeza, curadores, transportadores, forças policiais, voluntários, sacerdotes, religiosas e muitos [...] outros que compreenderam que ninguém se salva sozinho [...] Quantas pessoas dia a dia exercitam a paciência e infundem esperança, tendo a peito não semear pânico, mas corresponsabilidade! Quantos pais, mães, avôs e avós, professores mostram às nossas crianças, com pequenos gestos do dia a dia, como enfrentar e atravessar uma crise, readaptando hábitos, levantando o olhar e estimulando a oração” (Patris Corde, Introdução). E eu e você? Estamos promovendo a esperança àqueles que estão mais próximos de nós? O distanciamento por nós experimentado tem sido ocasião de alimentar a esperança a partir de gestos simples?

            Por fim, José era um homem da superação. A incerteza e a angústia de São José diante da maternidade divina de Maria – que quase o levaram a abandoná-la secretamente (cf. Mt 1,19) – foram a “matéria-prima” de sua coragem e fidelidade. Sim! De José aprendemos que as nossas fraquezas, infidelidades, limites e defeitos são o “trampolim” para o cumprimento de nosso propósito e para irradiarmos o Evangelho a todos. Afirma o Papa Francisco: “muitas vezes pensamos que Deus conta apenas com a nossa parte boa e vitoriosa, quando, na verdade, a maior parte dos seus desígnios se cumpre através e apesar da nossa fraqueza [...] O Maligno faz-nos olhar para a nossa fragilidade com um juízo negativo, ao passo que o Espírito a traz à luz com ternura. A ternura é a melhor forma para tocar o que há de frágil em nós. Muitas vezes o dedo em riste e o juízo que fazemos a respeito dos outros são sinal da incapacidade de acolher dentro de nós mesmos a nossa própria fraqueza, a nossa fragilidade” (Patris Corde 2). Diante das fragilidades, diante dos medos, diante de uma pandemia trágica, a esperança se traduz nas atitudes da escuta e de atribuir um sentido novo às nossas experiências. Diz-se comumente, por exemplo, que Maria foi visitar Izabel (cf. Lc 1,39-56) para servi-la. Izabel estava grávida de seis meses de João Batista e nos atesta o texto bíblico que “Maria ficou três meses com Izabel e depois voltou para a sua casa” (Lc 1,56). Ora, é após o parto que uma mulher mais necessita de apoio e ajuda. E foi justamente antes do nascimento de João Batista que Maria deixou a casa de Izabel. De José aprendemos que “há um momento oportuno para cada coisa debaixo do céu” (Ecle 3,1). A visita de Maria a Izabel significou o “tempo” para que José compreendesse o propósito de Deus para si e para o que viria em seguida. Neste tempo duro de pandemia, no qual podemos nos sentir impotentes diante de uma situação que aparenta ser muito maior do que cada um de nós, a esperança se traduz em atitude de escuta de Deus, de contato com nossas fragilidades e de superação do egoísmo, para que ao fim desta pandemia viral não adentremos uma outra pandemia, possivelmente ainda mais grave: a pandemia das nossas próprias prisões e das prisões às quais submetemos os outros, a pandemia da indiferença e da ausência de solidariedade. O “tempo” de José resultou em sua adesão ao projeto de Deus: o meu tempo e o seu tempo resultarão num pós-pandemia diferente, mais inclusivo, mais comprometido consigo e com outro, mais evangélico? “Se não nos reconciliarmos com a nossa história, não conseguiremos dar nem mais um passo, porque ficaremos sempre reféns das nossas expectativas e consequentes desilusões” (Patris Corde 4).

            Estamos presenciando um momento crucial em nossa história. São José acolheu o momento crucial de sua história como o kairós, como o tempo da graça de Deus, mesmo tendo de enfrentar os perigos e certamente entristecer-se e sentir-se impotente com a morte de tantas crianças inocentes por Herodes (cf. Mt 2,16) enquanto fugia para o Egito para proteger “o menino e sua mãe” (Mt 2,13). É provável que muitos de nós nos sintamos exatamente assim: tristes e impotentes diante do que hoje vivemos. No entanto, a esperança de José é a nossa esperança, porque não rejeitamos e não negamos nada do que existe, mas sabemos, pela fé, “que tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus” (Rm 8,28), inclusive o que é mal, como afirma Santo Agostinho. “Assim, longe de nós pensar que crer signifique encontrar fáceis soluções consoladoras. Antes, pelo contrário, a fé que Cristo nos ensinou é a que vemos em São José, que não procura atalhos, mas enfrenta de olhos abertos aquilo que lhe acontece, assumindo pessoalmente a responsabilidade por isso” (Patris Corde 4). E hoje nossa responsabilidade, minha e sua, é de viver a esperança como movimento (decisões e não condições), como simplicidade (cuidarmos das pessoas e das pequenas coisas) e como superação (fazer de nossos medos e fraquezas – e também desta pandemia – uma oportunidade de promoção da dignidade humana e do anúncio do Evangelho de Jesus Cristo).

            São José vos proteja e Deus vos abençoe carinhosamente!